
Lands of Never – Maxim Jakubowski (org.)
Raramente leio coletâneas de contos. Na maioria das vezes, encontro um ou outro que gosto e o resto acho ruim. Na louca, resolvi ler a duologia Lands of Never e Beyond Lands of Never, de contos fantásticos de diferentes autores. Os livros foram publicados na década de 80 e, apesar de eu reconhecer um ou outro nome que aparece aí, nunca nem ouvi falar da maioria.
Lands of Never é uma ótima coletânea. São poucos os contos dos quais não gostei, a maioria não deixou nada a desejar. Qual foi a minha surpresa, então, quando li o segundo e o achei uma grande porcaria. Terminei-o na base do ódio e do desgosto, infelizmente.
Não vou mentir – muitos dos contos são datados, claros exemplos dos problemas da ascenção dessas fantasias baratas no mundo de língua inglesa escritas majoritariamente por homens brancos, para homens brancos. Há muito machismo, sexualização de mulheres, violência sexual gratuita, etc. As personagens femininas, então, coitadas.
Dada a idade dos livros e a provável dificuldade que será encontrá-los por aí na internet (estavam na coleção da minha avó), aqui vai uma pequena análise de cada conto para que você possa escolher e caçar seus preferidos. No fim, este post é uma indicação de contos individuais, antes de qualquer outra coisa.
Lands of Never
Dancers in the Time-Flux – Robert Silverberg
Uma criatura denominada Traveller e um holandês do século XVI em uma Terra tão distante no futuro que só tem o nome em comum com a nossa. Adorei o recorte da peregrinação/migração desse Traveller e o humor do holandês ter sido forçosamente levado através do tempo para acompanhá-lo. Foi uma boa maneira de apresentar essa Terra do futuro para o leitor.
The Museum Bell – William Horwood
Claramente influenciado pelo Poe, mas pra lá de sem graça. Personagens que não entregam nada e um sino tibetano que deveria ser misterioso mas é só um sino que os personagens querem tocar. Não tem suspense nenhum, só a capacidade de te deixar com sono.
The Coming of the Starborn – Joy Chant
Gostei, apesar de ter achado toda a pira dos Starborn bem supremacista. Vem essa galera do céu dar bençãos pro povo mas só os filhos deles se tornam especiais e só podem casar entre si? Tudo bem que o resto do mundo prosperou, mas achei eugenista e incestuoso demais pro meu gosto. O conto é baseado nos livros da autora, então nada tem muito contexto – mas dá pra entender.
Report on an Unidentified Space Station – J. G. Ballard
Ballard acertando como sempre, desta vez com uma estação espacial que parece ser infinita. Curto, mas muito eficaz no que se propõe. Dá um medinho, mas também bastante satisfação quando você entende o que está acontecendo.
The Rites of Winter – Christopher Evans
Gostei! A dona de uma pousada recebe um hóspede depois de um inverno rigoroso enquanto seu marido está morto e congelado na casa. Achei que ficou faltando algo, mais informações sobre a cidade e o hóspede – poderia ter umas duas ou três páginas a mais.
In the Mirror of the Earth – Ian Watson
Não entregou nada. Apresentou um mundo submerso pós apocalíptico bem interessante em que as pessoas não dormem, apenas poucos indivíduos que são vistos como deuses, e não fez nada com isso. Não teve uma trama real nem uma discussão sobre qualquer tema. Pra um conto maior do que outros da coletânea, explicou pouco sobre o mundo. The Drowned World do J. G. Ballard, livro com uma temática parecida, é bem melhor.
When All Else Fails – John Grant
Amei demais da conta. Um mundo em que todos são telepatas, um humano tenta salvar seu amigo, um unicórnio que está em perigo. Engraçado e estabeleceu muito bem o mundo em pouco tempo, graças a diálogos muito bem escritos.
When Coyote Takes Back the World – Steve Rasnic Tem
Interessante que tem um autor nativo-americano aqui. O conto mistura o mundo moderno com mitologia Cherokee de maneira bem louca. A escrita está maravilhosa!
The Bridegroom – Angela Carter
Um conto de fadas minimamente modernizado. Acho que a autora tentou fazer uma crítica à passividade das mulheres no gênero e falhou miseravelmente, porque a personagem principal dela é rasa e só sofre na mão dos homens, sem fazer uma real crítica ao subverter o gênero. Paia.
The Girl Who Sang – Brian W. Aldiss
Terrível. O personagem principal é um idiota completo que abusa de mulheres e rouba sua propriedade intelectual. Me subiu um ranço absurdo porque ele faz o que muitos homens seguem fazendo mas, apesar de ser claramente construído como covarde, não há uma reprovação de seus atos. O estupro é tratado de maneira corriqueira, então me faz pensar que o autor é um daqueles escritores homens de fantasia que objetificam mulheres e nunca falaram com elas na vida. Que péssima maneira de encerrar uma coletânea tão boa.
Beyond Lands of Never
Draco, Draco – Tanith Lee
Uma prosa extremamente infantil, mas não do jeito bom – do jeito que eu escrevia histórias com dez anos de idade, aquelas que nunca verão a luz do sol. Um clássico sobre heróis matando um dragão que não se propõe a nada e entrega menos ainda. Além disso, sempre me choca ler histórias tão machistas escritas por mulheres.
Caves – Jane Gaskell
O puro suco da síndrome de Estocolmo. Conhecia a autora por nome, sei que ela escreve romance monsterfucker, mas esse é tão nojento que não chega nem perto de ser sexy. A diferença de poder é grande demais (a guria é humana e o cara é um gigante, o pênis dele é do tamanho dela). A construção de mundo não é muito clara, mas esse é um pedaço de um romance inteiro. Quando comecei a ler, não imaginava que seria um pornô com scat e fetiche em fluidos ou sei lá o quê. Já li muitos romances de monstro melhores. Não ganhou o selo monsterfucker de aprovação.
The Last of His Breed – Rob Chilson
Um cowboy e um pégaso. Proposta interessante e um formato minimamente diferente ao ter o ponto de vista de outros personagens, mas como o cowboy é o clássico machão que não tem sentimentos, a discussão sobre o fim dos cowboys fica insossa. Afinal, é o paralelo entre ele e o pégaso que ele caça que dá o charme à história. Por fim, fiquei com um pouco de preguiça da boa e velha supremacia humana sobre a natureza. O pégaso estava lá vivendo a vida dele escondido de boas, longe de humanos. Precisava ir encher o saco?
The House that Joachim Jacober Built – Garry Kilworth
Uma premissa interessante – uma casa mal-assombrada força o narrador a viver nela e mantê-la bonita, como um escravo. Algumas descrições e a ideia da casa em si são bem boas. O final e a virada que faz ele sair da casa são geniais. Mas a escrita é muito ruim, com repetições que me fazem pensar que não só esse autor nunca leu um livro na vida, mas que não relê seus próprios textos e nenhum editor se importou em corrigir. Não entendo como esse cara foi conceituado o suficiente pra entrar nessa coletânea, porque ele claramente não sabe nada sobre técnica.
Hode of the High Place – Jessica Amanda Salmonson
Cristo. Um menino começa a viver numa montanha que sua aldeia dizia ser amaldiçoada, e vira uma dark fantasy (até me dói fazer essa comparação) com violência gratuita. O menino, ainda criança, é estuprado a troco de nada, seu pai morre esmagado na sua frente e ele nem liga, e começa a comer bebês recém-nascidos. Ele se tornou o monstro que todos diziam existir lá em cima? A criatura que o estuprou roubou sua humanidade através do sêmen? O final indica que sim, mas o conto não tem nenhuma intenção digna de nota, e sua execução questionável deveria ter pelo menos me feito odiar mais o Hode. A autora só quis chocar a troco de nada, talvez mostrar que mulheres nos anos 80 também podiam escrever coisas dark. Eu preferia que ela não tivesse escrito nada. Nunca.
Daniel the Painter – Paul Ableman
Um pintor meia-boca é possuído pelo espírito de uma vida passada que é um ótimo pintor. Boa proposta mas com uma prosa muito infantil, então é meio mal escrito.
The Girl Who Went to the Rich Neighbourhood – Rachel Pollack
Finalmente um conto bom nesse livro! Um conto de fadas com bastante crítica social, ainda que pudesse ter sido mais enfático ao chamar gente rica de desgraçada. Até crítica à polícia teve! Simples, mas fofo.
Oblique Strategies – Maxim Jakubowski
Eu gostaria muito de poder dizer que a premissa desse conto é boa, já que a escrita é, mas não consigo. No conto, o narrador abandona sua família porque não consegue parar de pensar em mulheres peladas numa praia que ele visitou, e acaba largando tudo pra viver num hotel. Ele é só uma grande sexualização feminina, em um nível que me faz ter certeza que o autor (e editor das coletâneas) é um predador sexual. Até a biografia dele é nojenta.
The Boy Who Jumped the Rapids – Robert Holdstock
O segundo conto aceitável do livro inteiro, ainda que de conto não tenha nada – parece mais um capítulo de livro. A construção de mundo é bem interessante, com essa aldeia isolada do mundo por magia e só o filho do chefe podendo ver através da ilusão, o que o faz ser ostracizado.
In the Place of Power – David Langford
Aleluia, um conto bom de verdade. Bem escrito, contido em si mesmo, com uma proposta bem interessante – um mundo que acaba conforme seu criador o esquece, e o menino que toma o seu lugar. Várias descrições interessantes, extremamente eficaz em sua brevidade.
Em resumo, recomendo os seguintes contos, meus favoritos: “Dancers in the Time-Flux,” “Report on an Unidentified Space Station,” “When All Else Fails,” “Coyote Takes Back the World” e “In the Place of Power.”
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Notes From Small Planets – Nate Crowley;