
The Drowned World – J. G. Ballard
O que acontece com a humanidade em um mundo submerso? As calotas polares derreteram, cidades estão alagadas e quanto mais próximo do Equador, mais altas são as temperaturas, a ponto de tornar boa parte da terra inabitável. Os poucos sobreviventes vivem apenas nos polos, independentemente de religião, raça, ou nacionalidade.
Kerans é um biólogo que vive em uma Londres submersa. Graças à mudança da paisagem, a Europa virou uma coleção de grandes lagos, cheios de iguanas e crocodilos. O calor beira o insuportável, mas ele e seu colega Dr Bodkin foram contratados pelo exército para catalogar a fauna e a flora da região, em mutação rápida e constante graças à radiação do sol.
Esse mundo estranho tem um efeito no psicológico dos que vivem nessas áreas quentes, sonhos estranhos e primordiais que fazem os biólogos e uma mulher ficarem em Londres quando o exército abandona a região. Os dias se embaralham e só existe calor e água, até que um estranho homem pálido chega em busca de riquezas.
Gostei muito de The Drowned World, e acho que tem muita coisa interessante pra analisar. As descrições são muito vívidas e um pouco perturbadoras – às vezes, as lagunas são belas, outras, nojentas. As frequentes comparações com um útero só ajudam na ambientação desse pós-apocalipse. Ainda assim, acho que o vocabulário é um pouco estranho, mas pode só ser a época, mesmo.
Agora, tem um aspecto do livro que não só o torna datado, mas completamente passível de não ser recomendado. Ele é racista demais da conta. Os personagens negros são completamente estereotipados, o clássico – burros, brucutus, super fortes e musculosos, violentos, cruéis, e descritos de várias maneiras racistas, incluindo características símias (e claro, eles são os vilões). O narrador frequentemente usa palavras racistas em inglês (slurs), “negro” e “mulatto”, cujo uso é inadmissível no mundo anglófono de hoje. Pessoalmente, sou contra a censura, já que é importante lembrar que mesmo que já fossem os anos 60, a galera continuava sendo MUITO racista. Uma pena que essa edição não tem uma introdução falando sobre o texto, porque poderia ter sido algo legal de discutir. É melhor ler já sabendo sobre o racismo, porque eu fui pega de surpresa.
Em questão da ficção científica, ela é meio pobre. A parte do apocalipse climático é ótima, não seja por isso. Mas a história se passa em 2145 e não tem nem uma mísera TV. O autor não se preocupou em imaginar como a tecnologia estaria quase 200 anos depois que ele escreveu isso, então a história é só os anos 60 só que submersos. Total falta de imaginação. Nem um pouco futurista, a sociedade não evoluiu nem 10 anos nesses 200 na cabeça do Ballard.
E eu gostei dos personagens. Claro, porque o racismo é pouco, o livro também é super sexista, já que a ÚNICA personagem feminina, minha anglo-xará Beatrice, é super sexualizada. Poucas falas, nenhuma agência, e ela aparece em grande parte do livro sem roupa (só de biquíni). Não dá pra esperar muito, mas ela é sequestrada pelos vilões e não é estuprada (porque o chefe é obcecado por ela e enche ela de jóias). Mas ela não é uma personagem ruim, só uma vítima do patriarcado e desse autor sem-noção. Os homens são legais também, e o Strangman é um bom vilão (doido que só), extremamente cruel.
A parte dos sonhos é fascinante. A ideia que a mente deles está regressando, relembrando a vida pré-histórica é genial. Esses “delírios” dos personagens só adicionam à ambientação. Aqui tem elementos que eu gosto em livros de modo geral – água, mundos submersos, uma conexão ancestral com a terra em nível de espécie. A trama em si é bem interessante, a tensão aumenta muito quando chega o grande vilão da história.
Em resumo: leia The Drowned World se você quer uma boa história sobre um apocalipse climático, mas chegue ciente do racismo e sexismo descarados.
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Oryx & Crake – Margaret Atwood;