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Doença como metáfora / AIDS e suas metáforas – Susan Sontag

Comunidades foram devastadas por epidemias de doenças desde antes da humanidade existir. A doença faz parte da vida humana e reside na caixinha de “medos” dentro do nosso psicológico. Antes de termos o conhecimento sobre germes, micróbios, vírus e bactérias, encontrávamos explicações nas coisas da vida e da mente para as doenças que nos assolavam. A fúria de Deus, humores desbalanceados, miasmas: motivos para as mais diversas doenças.

Em seu primeiro ensaio, Doença como metáfora (1978), Susan Sontag explora os estigmas que cercam o doente de câncer e os compara com os da tuberculose. Na sua época, os tuberculosos eram romantizados, e a tuberculose se tornou a doença dos criativos, e se tornou comum agir como tuberculoso, mesmo que não se tivesse a doença. Já o câncer, é uma sentença de morte e sofrimento para o paciente, tratado até por familiares como se tivesse uma doença contagiosa. Até hoje, é um tabu.

No segundo ensaio, AIDS e suas metáforas (1988), Sontag trabalha com a ascensão da AIDS, uma doença pouco conhecida na época, mas que rapidamente se infiltrou na mente do povo. Não era só uma sentença de morte, mas também um meio de descriminação – a AIDS não ganhou o doce apelido de “câncer gay” por nada. Novamente, o doente se viu à mercê de um imaginário popular acerca da sua condição. Novamente, Sontag tenta libertá-los dos estigmas e do irracionalismo.


Já vou começar dizendo que li esse livro errado. Como a edição é de 2007, imaginei que os ensaios fossem ser mais ou menos dessa época, ou seja, do século XXI. Então posso afirmar com toda a certeza que li o primeiro ensaio em um contexto dos anos 2000, o que foi um erro.

Não posso afirmar com certeza se demorei para ler o livro porque a escrita da Susan Sontag é um pouco lenta ou se é porque eu não gosto de não ficção (eu nem tinha uma tag de não ficção aqui no blog antes dessa resenha). Mas realmente, os ensaios da Sontag são bem densos, assim como a linguagem, o que faz a leitura ser lenta. O segundo ensaio, da AIDS, foi mais rápido de ler – não só a escrita me pareceu mais fluida, como também meu interesse no tema era maior.

Acho que a edição tem um grande erro: não tem a data na qual os ensaios foram escritos, e o contexto histórico é extremamente importante para o livro. Muito do que a autora fala, principalmente sobre o câncer e a AIDS, está desatualizado. Não necessariamente as metáforas, mas alguns fatos científicos (ou a falta de). Muito mudou nos últimos 40 anos, principalmente a medicina. Sontag fala de comportamentos da comunidade médica que, hoje em dia, seriam inadmissíveis (como não dar o diagnóstico da doença a um paciente de câncer, apenas à família). Não só isso, mas seu segundo ensaio falta profundidade. Hoje em dia, temos muito mais opções de tratamento à AIDS, mas o estigma continua. Pior – na minha visão, os portadores de HIV (ou aidéticos, como diz Sontag) são deliberadamente apagados e excluídos. Por isso acho importante que a edição tivesse a data de publicação original dos ensaios logo na folha de rosto de cada um deles.

Ainda assim, o livro é interessantíssimo. Li-o para um curso que estou fazendo, chamado “Humanidades médicas: a saúde e a doença na história e nas artes”, e achei a experiência muito interessante (mesmo que seja raríssimo que eu leia não ficção). As metáforas que Sontag analisa são válidas, dentro de suas próprias limitações, até hoje. A visão da doença no imaginário popular e o quanto elas afetam o comportamento das pessoas e os valores da sociedade é algo incrível de se analisar, porque não vemos isso com frequência nas aulas de biologia. Eu adoro análises de obras que não sejam nos óbvios “contextos culturais da sociedade da época”, então poder ler algo diferente assim é uma boa mudança de cenário.

Infelizmente, não tenho nada para te indicar baseado nesse livro hoje (já falei que não leio não ficção?), mas sinta-se bem vinde a dar uma olhada por aí 🙂

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